Stocks de segurança em sistemas pull: como dimensionar e otimizar

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Stocks de segurança em sistemas pull: como dimensionar e otimizar 

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Não existe nenhuma cadeia de valor imune à incerteza. O stock de segurança atua como um amortecedor sempre que existem flutuações no consumo ou atrasos nos fornecimentos, assegurando que o fluxo de materiais não é interrompido e que a operação continua a responder de forma estável às necessidades do mercado.

Embora seja essencial para garantir o nível de serviço, o stock de segurança representa também o espaço ocupado e o capital empatado. O grande desafio para as organizações reside em encontrar o nível ideal — suficientemente robusto para absorver a variabilidade, mas suficientemente ajustado para evitar desperdícios. Este artigo aborda, de forma prática, como dimensionar e otimizar o stock de segurança em ambientes pull, analisando diferentes cenários de reabastecimento e as variáveis críticas que os líderes devem dominar no âmbito da melhoria logística e operacional.

O que é o stock de segurança e para que serve?

O stock de segurança é uma reserva estratégica de material que visa proteger o sistema produtivo e logístico contra variações imprevistas. Não aumenta a capacidade nem melhora a eficiência, mas garante estabilidade perante flutuações da procura ou atrasos no fornecimento. O seu objetivo principal é simples: manter a operação em funcionamento mesmo quando as condições se desviam do planeado.

Sem stock de segurança, qualquer atraso no fornecimento ou variação súbita da procura pode rapidamente resultar numa rutura de stock, comprometendo a eficiência operacional, a produtividade, o cumprimento dos prazos de entrega e, em última instância, a credibilidade do negócio.

Fatores que afetam a necessidade de stock de segurança

O dimensionamento do stock de segurança depende, essencialmente, de dois grandes fatores:

  • Variabilidade da procura: quanto maior a flutuação no consumo de um dado produto, maior será a margem de segurança necessária para absorver esses desvios;
  • Variabilidade do lead time: instabilidades nos prazos de entrega na cadeia de abastecimento— seja por falhas logísticas, problemas de produção ou dificuldades de abastecimento — obrigam a compensar com níveis adicionais de stock de segurança.

Em ambos os casos, o stock de segurança não elimina a causa da variação — apenas protege temporariamente a operação. É por isso que o seu dimensionamento deve ser sempre acompanhado de iniciativas estruturais de redução da variabilidade.

Sistemas em pull e o papel dos stocks de segurança

Nos sistemas pull, o fluxo de materiais é acionado pelo consumo real, não por previsões. Cada movimento de reposição apenas ocorre quando existe efetivamente uma necessidade gerada a jusante do processo. Esta lógica permite reduzir stocks totais e expor mais rapidamente as ineficiências e as variações, mas não elimina a necessidade de stock de segurança — apenas o reposiciona dentro do sistema.

Kanban como sistema de sincronização

O Kanban atua como um sinal visual de reposição. Sempre que um contentor é consumido, o Kanban associado gera automaticamente um pedido de reposição. Esta lógica cria um fluxo contínuo e visualmente controlável, onde:

  • O produto está sempre disponível no ponto de uso;
  • A reposição é iniciada pelo consumo;
  • O fluxo físico e o fluxo de informação estão integrados.

No fundo, o Kanban permite transformar a variação diária da procura num sinal de produção ou de transporte apenas quando necessário, evitando sobreprodução e excesso de inventário.

O conceito de ciclo Kanban

O ciclo Kanban (Kanban loop) define o ciclo logístico completo percorrido pelo Kanban desde o momento do consumo até ao reabastecimento do stock. Este ciclo inclui vários tempos parciais que, em conjunto, constituem o lead time de reabastecimento:

  1. Lead time de processamento da ordem de reposição;
  2. Lead time de picking (tempo necessário para preparar o material);
  3. Lead time de produção e/ou transporte;
  4. Lead time de inbound (tempo até material estar disponível para consumo).
Imagem ilustrativa de um ciclo Kanban

Figura 1 – Ciclo Kanban

Este ciclo está ilustrado na imagem acima, mostrando claramente como o fluxo de material e o fluxo de informação estão sincronizados.

Nível de reabastecimento e fórmula do stock de segurança

O ponto de reposição num sistema Kanban é calculado de forma a garantir a disponibilidade do material durante o tempo total do ciclo, acrescido da proteção contra variações. O cálculo baseia-se nos seguintes elementos:

Nível de reposição = Procura durante o lead time de reposição + stock de segurança

O stock de segurança cobre as flutuações tanto da procura como do lead time:

Stock de segurança = variação da procura + variação do lead time

Este modelo permite ajustar objetivamente o número de Kanbans, garantindo que o sistema permanece em funcionamento mesmo perante variabilidade.

Impacto da variação da procura e do lead time no stock de segurança

O stock de segurança existe precisamente para absorver as variações que ocorrem entre o consumo e a reposição. Sempre que a procura ou o lead time se afastam da média, o sistema aproxima-se do limite de stock.

Gráficos que ilustram o efeito das variações da procura e do lead time nos stocks

Figura 2 – Efeito das variações da procura e do lead time nos stocks

Quando a procura durante o lead time é superior à média (imagem da esquerda), o consumo acelera e pode esgotar rapidamente o stock disponível antes da chegada do novo abastecimento. Esta situação pode conduzir a ruturas, mesmo com um sistema de reposição corretamente dimensionado.

Por outro lado, quando o lead time efetivo é superior ao planeado (imagem da direita), o material demora mais tempo a chegar ao ponto de consumo. Este atraso pode também conduzir à rutura do stock.

É esta combinação de variabilidade da procura e do lead time que determina a necessidade de manter um nível de proteção adequado, ajustado ao risco e à criticidade de cada produto.

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Cálculo de stocks de segurança nos ciclos de reabastecimento em pull

Os sistemas pull baseados em Kanban podem assumir diferentes configurações, dependendo da origem do fornecimento e da natureza do fluxo. A seguir descrevem-se três casos de aplicação prática, cada um com características distintas no cálculo do stock de segurança.

Kanban de transporte com fornecedor externo

Neste modelo, o fornecedor encontra-se fora da unidade de produção, sendo responsável pelo envio dos materiais. Características deste ciclo:

  • O cliente é um supermercado de componentes comprados;
  • O fornecedor é um fornecedor externo (fora da organização);
  • O transporte é feito por camião, normalmente sem ciclo de trabalho normalizado (ou seja, não existe um calendário fixo para as entregas);
  • As frequências típicas de transporte variam entre 1 a 5 dias, mas podem ser de 30 dias ou mais (no caso de entregas internacionais);

O lead time de entrega pode variar bastante em torno da média, especialmente quando o fornecedor externo tem muito desperdício.

Tabela que ilustra o modelo de Kanban de transporte com fornecedor externo

O desafio central neste ciclo é controlar a variabilidade externa, tentando estabilizar a frequência de transporte e negociando condições logísticas mais previsíveis.

Kanban de transporte interno

Este modelo aplica-se a movimentos de materiais dentro da unidade de produção, frequentemente alimentados por operadores Mizusumashi que seguem ciclos regulares de abastecimento.

As principais características são:

  • O cliente é um supermercado de bordo de linha;
  • O fornecedor é um supermercado de fim de linha ou um supermercado de componentes comprados;
  • O transporte é realizado por um Mizusumashi com ciclo de trabalho normalizado (normalmente fixo em 20 minutos ou 60 minutos de lead time).

Ou seja, a variação de lead time é praticamente nula, centrando o stock de segurança na variabilidade da procura.

Tabela que ilustra o modelo de Kanban de transporte interno

Este modelo permite operar com níveis muito baixos de stock de segurança graças à elevada estabilidade do ciclo logístico interno.

Kanban de fluxo de produção

Este ciclo aplica-se dentro do próprio processo de produção, especialmente em linhas de montagem com zero setup time ou setups residuais. O Kanban gere diretamente o sequenciamento da produção, respeitando a ordem de consumo e evitando a produção antecipada.

Característica deste loop:

  • Os Kanbans estão localizados no supermercado em cada contentor;
  • O consumo no supermercado de produto acabado liberta o Kanban;
  • O Kanban é enviado para uma linha com capacidade de zero setup (significa que tem flexibilidade para trabalhar com lotes pequenos ou mesmo unitários);
  • O Kanban entra num sequenciador no início da linha;

O bordo da linha tem todos os componentes necessários para iniciar a produção.

Tabela que ilustra o modelo de Kanban de fluxo de produção

Aqui o stock segurança é condicionado não só pela procura, mas também pela variabilidade do tempo de produção.

O desafio da variabilidade: como reduzir a necessidade de stock de segurança

Num sistema Lean, o verdadeiro desafio não é apenas calcular o stock de segurança ideal, mas sim reduzir a sua necessidade, diminuindo progressivamente o buffer de inventário. O stock de segurança existe porque há incerteza — na procura, nos prazos de entrega, na produção, na estabilidade dos processos. Logo, quanto maior for o controlo sobre essas fontes de variabilidade, menor será o nível de stock necessário para garantir o abastecimento contínuo.

A melhoria contínua desempenha aqui um papel central, permitindo atuar sobre as causas de variabilidade e, assim, construir sistemas mais robustos, previsíveis e eficientes.

Minimizar a variabilidade com melhoria contínua

As fontes de variabilidade, como vimos podem ser agrupadas em dois grandes eixos: variabilidade da procura e variabilidade do lead time.

  • Redução da variabilidade da procura:
    • Reduzir o lead time médio: quanto menor o tempo de reposição, menor a janela de exposição à flutuação da procura;
    • Nivelar a procura do cliente final (Heijunka): produzir em lotes pequenos com uma frequência elevada e regular;
    • Segmentar através da análise ABC (ou PQ): identificar os produtos com comportamento mais previsível (itens A), permitindo um controlo mais apertado e níveis de stock reduzidos face a produtos B e C.
  • Redução da variabilidade do lead time:
    • Reduzir o lead time médio global: encurtar as etapas de transporte, picking e processamento de encomendas, aplicando os princípios de logística e armazenagem Lean para criação de fluxo;
    • Normalizar o trabalho logístico: estabelecer rotinas estáveis, com ciclos normalizados de Mizusumashi e Milk Run, assegurando regularidade nas recolhas e entregas, promovendo a melhoria da rede logística;
    • Melhorar a fiabilidade dos processos de produção: através da aplicação de Total Productive Maintenance (TPM) para monitorização e melhoria do OEE e Standard Work nas linhas.

Ao reduzir a variabilidade em ambos os eixos, a empresa cria um sistema mais estável e previsível. O resultado direto é a diminuição sustentada dos níveis de stock de segurança, libertando capital e espaço, sem comprometer o nível de serviço.

Conclusão: o futuro do stock de segurança

O dimensionamento do stock de segurança continua a ser um dos pontos críticos da gestão operacional e da otimização da cadeia de abastecimento. O desafio não está apenas no cálculo matemático, mas na construção de sistemas cada vez mais estáveis e responsivos, onde o stock de segurança possa ser progressivamente reduzido sem sacrificar o nível de serviço. Para isso é necessário aplicar os princípios da gestão Lean de armazéns, logística e produção, assim como apostar na formação em eficiência operacional das equipas, capacitando-as para a aplicação prática destes conceitos.

As tecnologias emergentes estão também a melhorar estes processos. A utilização de advanced analytics e machine learning permitem prever com maior precisão os padrões de procura, ajustando os níveis de segurança de forma dinâmica e baseada em dados em tempo real. Adicionalmente também sensores IoT aplicados nas linhas de produção e na cadeia logística permitem uma visibilidade total do fluxo de materiais e a antecipação de desvios.

Apesar do contributo crescente da tecnologia, o princípio base mantém-se: variabilidade controlada é a melhor forma de otimização do inventário de segurança. A combinação de operações Lean, sistemas em pull robustos e de inteligência digital criará organizações cada vez mais ágeis, com cadeias de abastecimento mais resilientes, eficientes e preparadas para contextos de mercado voláteis.

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Ainda tem dúvidas sobre stocks de segurança?

Como se relaciona o modelo EOQ (lote económico de encomenda) com o dimensionamento de stock de segurança?

O modelo EOQ ajuda a determinar o tamanho ótimo de encomenda para minimizar o custo total de inventário (custos de encomenda e de armazenagem). No entanto, não considera diretamente a variabilidade da procura e dos prazos de entrega. O stock de segurança complementa o EOQ, protegendo a operação contra essa incerteza e garantindo o nível de serviço.

Qual é a diferença entre stock de segurança e ponto de reposição?

O stock de segurança é uma reserva adicional de inventário destinada a cobrir variações inesperadas na procura ou atrasos no fornecimento. Já o ponto de reposição é o nível de stock que, quando atingido, indica que é necessário realizar uma nova encomenda. Este ponto é calculado com base na procura durante o lead time e inclui o stock de segurança para evitar ruturas.

Que dados são necessários para calcular corretamente o stock de segurança?

Para calcular o stock de segurança de forma precisa, é necessário recolher dados fiáveis sobre a procura média, a variabilidade da procura, o lead time médio de reposição e a variabilidade do lead time. Além disso, deve ser definido o nível de serviço pretendido, que reflete o grau de proteção desejado contra ruturas de stock.

Como calcular a variação da procura e do lead time?

A variabilidade da procura e do lead time é, normalmente, medida através do desvio padrão das respetivas séries históricas. Dependendo da estratégia de gestão de risco da empresa, pode ser aplicado um múltiplo do desvio padrão, refletindo o nível de serviço desejado. Um nível de serviço mais elevado exige a inclusão de uma maior margem de proteção, resultando num stock de segurança mais robusto contra variações extremas.

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