Durante décadas, a eficiência foi entendida como sinónimo de ocupação total dos recursos. Isto é, manter as máquinas sempre a funcionar e os colaboradores sempre ocupados. Esta visão tradicional, profundamente enraizada no pensamento de gestão, parece lógica à primeira vista — afinal, os recursos parados são sinónimo de desperdício.
No entanto, e se essa lógica estiver, na verdade, a gerar ineficiências ainda mais graves? E se, ao tentarmos otimizar cada recurso de forma isolada, estivermos a comprometer a eficiência do sistema como um todo?
É aqui que surge o paradoxo: “A eficiência começa com o fluxo”. Em vez de se começar pela eficiência dos recursos, o novo paradigma defende que o ponto de partida deve ser a criação de fluxo, sendo a otimização dos recursos feita apenas numa fase posterior.
Neste artigo, vamos explorar por que razão este novo paradigma representa uma mudança profunda e essencial para se alcançarem melhores resultados, com menos desperdício e maior foco no cliente.
O que são paradoxos?
Um paradoxo é uma ideia que, à primeira vista, parece contraditória, mas que, quando analisada em detalhe, revela uma nova verdade. Não é apenas uma contradição, é um convite ao pensamento crítico. É quando duas ideias aparentemente opostas coexistem e, juntas, revelam uma compreensão mais rica da realidade.
No mundo da gestão, os paradoxos são particularmente importantes, porque ajudam a romper com visões simplistas. Questionam hábitos de pensamento instalados e forçam-nos a ver os sistemas sob outra perspetiva. E é precisamente isso que uma cultura Kaizen nos convida a fazer: desafiar o óbvio para descobrir novas formas de melhorar.
Os paradoxos de uma Cultura Kaizen
No Kaizen Institute, identificámos sete paradoxos fundamentais que ajudam a explicar a verdadeira essência da melhoria contínua. Cada um deles desconstrói uma ideia convencional e revela um novo caminho para liderar, melhorar e transformar organizações:
- A prática acima das ferramentas;
- O pequeno não é o único Kaizen;
- A eficiência começa com o fluxo;
- Normalizar para melhorar;
- Kaizen vai além das operações;
- Kaizen é uma meta estratégia;
- Kaizen é a forma mais inteligente de gerir uma empresa.
Estes paradoxos não são apenas provocadores, são transformadores. E neste artigo, vamos explorar o paradoxo: “A eficiência começa com o fluxo”.
O antigo paradigma: acreditar que a eficiência vem da utilização máxima dos recursos
Durante décadas, a gestão foi moldada por uma ideia aparentemente simples: quanto mais ocupados estiverem os recursos, maior será a eficiência da organização. Esta crença, profundamente enraizada desde a Revolução Industrial, deu origem ao paradigma da eficiência de recursos, onde se valoriza manter máquinas a funcionar continuamente, agendas completamente preenchidas e equipas sempre ocupadas.
A lógica parece inquestionável: recursos parados são sinónimo de desperdício, e produtividade só existe quando todos estão em ação. Esta abordagem tornou-se a base de muitos sistemas de gestão, sendo facilmente traduzida em indicadores de desempenho como taxas de utilização dos equipamentos e produtividade dos colaboradores.
A ilusão da eficiência tradicional
Apesar do seu apelo intuitivo, a eficiência de recursos é uma visão limitada e, por vezes, enganadora. Otimizar cada recurso de forma isolada não garante a eficiência global do sistema. Pelo contrário, o foco em manter tudo e todos ocupados pode resultar em atrasos, desperdícios e complexidade desnecessária.
Imaginemos uma fábrica que decide manter todas as máquinas sempre a produzir, mesmo quando não há procura imediata. O resultado mais provável será o excesso de produção, um dos desperdícios mais prejudiciais. Porquê? Porque gera uma cascata de outros problemas: acumulação de inventário, aumento dos custos de armazenagem e transporte, maior risco de deterioração e perda de visibilidade sobre os problemas.
Se pensarmos, por exemplo, no contexto hospitalar, verifica-se o mesmo fenómeno: agendas totalmente preenchidas podem resultar em tempos de espera prolongados para os pacientes, comprometendo a sua experiência e afetando o seu bem-estar.
Em vez de melhorar o desempenho, esta obsessão pela ocupação total gera gargalos, reduz a flexibilidade e afasta as organizações das verdadeiras necessidades dos clientes.
Implemente a eficiência de fluxo na sua organização
Os efeitos negativos da eficiência de recursos
O paradigma tradicional não afeta apenas os processos, afeta também as pessoas e a cultura organizacional. Equipas avaliadas com base em “quão ocupadas estão” acabam por cair em ciclos de stress, desmotivação e burnout. A criatividade e a melhoria contínua são sufocadas por uma cultura que valoriza o fazer constantemente, em detrimento do fazer melhor.
Além disso, a eficiência de recursos incentiva a criação de silos. Cada departamento tende a otimizar apenas o seu desempenho, mesmo que isso prejudique o fluxo global.
Paradoxalmente, a tentativa de eliminar desperdício e maximizar resultados acaba por gerar mais desperdício e resultados piores. O verdadeiro custo desta abordagem é oculto: atrasos no atendimento ao cliente, baixa qualidade, fraca adaptabilidade e decisões desconectadas da realidade do fluxo de valor.
O novo paradigma: priorizar o fluxo em vez da utilização dos recursos
A verdadeira eficiência não está em manter todos os recursos ocupados, mas sim em garantir que o trabalho flui sem interrupções, desde o início até à entrega ao cliente. Esta é a lógica por trás do novo paradigma de eficiência: a eficiência de fluxo. Em vez de medir o sucesso pela taxa de utilização de máquinas ou pelo número de tarefas por colaborador, o foco passa a ser a rapidez, fluidez e consistência com que os produtos, serviços ou informações percorrem todo o sistema.
Eficiência de recursos vs. fluxo: qual é o verdadeiro medidor de eficiência?
A eficiência de recursos mede o tempo em que colaboradores, equipamentos ou instalações estão ativos. Já a eficiência de fluxo avalia o tempo total que um item — seja um pedido, paciente, produto ou projeto — demora a percorrer todo o processo, do início ao fim.
O primeiro modelo centra-se no recurso e o segundo, no cliente. O primeiro procura eliminar os tempos mortos dos recursos. O segundo procura eliminar os tempos de espera ao longo do fluxo de valor. E é aqui que reside o paradoxo: otimizar os recursos não significa, necessariamente, otimizar o desempenho global da organização.
A obsessão pela eficiência de recursos leva muitas empresas a maximizar a ocupação, mas a pagar um preço elevado em atrasos, desmotivação das equipas e aumento da complexidade dos processos. A eficiência de fluxo, por outro lado, promove entregas rápidas, simplicidade e uma melhor experiência para o cliente, mesmo que, para isso, seja necessário aceitar que alguns recursos estejam ocasionalmente disponíveis.
Porque é que a eficiência por fluxo produz melhores resultados
Imaginemos dois sistemas de saúde com o mesmo objetivo: diagnosticar uma doença complexa. Num deles, os especialistas, os equipamentos e as salas estão sempre ocupados, sem momentos livres. O sistema está a funcionar a “pleno rendimento”, mas os doentes esperam dias ou semanas entre consultas, exames e resultados. O tempo de espera e a ansiedade acumulam-se. No outro sistema, os recursos nem sempre estão ocupados. Há momentos de inatividade aparente. Mas os doentes são atendidos rapidamente, o diagnóstico é feito em poucas horas, e o impacto emocional é muito menor. Este segundo sistema é construído com base na eficiência de fluxo.
Este exemplo mostra o paradoxo de forma clara: a tentativa de manter todos os recursos sempre ocupados gera ineficiências, ao passo que um sistema que privilegia o fluxo consegue melhor desempenho, a qualidade e a satisfação do cliente.
Esta lógica é válida em todos os setores. Na indústria automóvel, a Toyota provou que produzir de acordo com a procura real (modelo pull) garante mais qualidade, menor desperdício e maior agilidade. No desenvolvimento de software, as metodologias ágeis adotam o mesmo princípio, reduzindo o trabalho em curso e entregando valor de forma contínua. No serviço ao cliente, resolver o problema com um tempo de resposta rápido e num único contacto é significativamente mais eficiente do que manter os operadores sempre ocupados, obrigando os clientes a esperar. Essa abordagem não só aumenta a frustração como leva à repetição de contactos ou à procura de canais alternativos, frequentemente mais dispendiosos para a organização e com impacto negativo na satisfação do cliente.
A razão é simples: a eficiência de fluxo melhora o sistema como um todo, enquanto a eficiência de recursos apenas melhora componentes individuais, muitas vezes à custa da fluidez global. Além disso, promove uma cultura de melhoria contínua, onde os colaboradores são incentivados a identificar e resolver obstáculos ao fluxo, em vez de apenas se “manterem ocupados”.
Aplicar a eficiência de fluxo nas organizações
Compreender o valor da eficiência de fluxo é apenas o ponto de partida. A verdadeira transformação acontece quando esse princípio passa da teoria à prática, exigindo mudanças nos indicadores de desempenho, no desenho dos processos, na forma como as equipas trabalham e na cultura da organização. Abaixo, apresentamos cinco alavancas essenciais para aplicar com sucesso a eficiência de fluxo.
Redefinir os indicadores: de utilização para fluxo
Durante décadas, o desempenho organizacional foi medido pela taxa de ocupação dos recursos: máquinas em funcionamento, pessoas ocupadas, salas cheias. No paradigma da eficiência de fluxo, os indicadores devem refletir a fluidez e a rapidez com que o trabalho percorre o sistema:
- Lead time: mede o tempo total desde o pedido até à sua conclusão;
- Tempo de ciclo: representa o tempo necessário para completar um processo específico;
- Throughput: mede o número de unidades concluídas (produtos, pacientes, pedidos de clientes) num determinado período;
- Trabalho em Curso (WIP): acompanha o número de itens que estão a ser processados em determinado momento.
A regra é simples: quanto menor o WIP, mais rápido o fluxo. Ao redirecionar o foco para estes indicadores, as organizações conseguem expor gargalos, reduzir esperas e aumentar a capacidade de resposta.
Reduzir tamanhos de lote e trabalho em curso (WIP)
Muitas organizações continuam a produzir ou a processar em grandes lotes, na tentativa de ganhar escala, reduzir tempos de setup e manter os recursos ocupados o maior tempo possível. No entanto, esta prática conduz frequentemente a longos tempos de entrega e a atrasos significativos.
A adoção do fluxo unitário ou de lotes pequenos permite que o trabalho avance de forma mais rápida e com menos erros. Para isso, é essencial limitar o Work In Progress (WIP) e aplicar sistemas puxados pela procura real.
Esta mudança torna mais visíveis os problemas, facilita a sua resolução, melhora a capacidade de adaptação à variabilidade da procura e aumenta a agilidade na resposta às necessidades do cliente.
Identificar gargalos com o mapeamento de fluxo de valor
A eficiência de fluxo exige visibilidade do sistema como um todo, e não apenas da performance de cada função ou departamento. É aqui que entra o Value Stream Mapping (Mapeamento de Fluxo de Valor), uma ferramenta que permite visualizar o percurso completo do produto, serviço ou informação.
Este exercício ajuda a expor gargalos, os tempos de espera e outros desperdícios. Com base nesta visão global de processo, é possível aplicar os princípios Kaizen para atacar os pontos críticos e otimizar o fluxo de ponta a ponta.
Promover flexibilidade operacional
A rigidez dos modelos tradicionais é inimiga do fluxo. Para manter o fluxo, especialmente em ambientes variáveis, é fundamental construir equipas versáteis e polivalentes.
A formação em diversas atividades permite que os colaboradores assumam diferentes funções consoante as necessidades. Horários flexíveis, reorganização de turnos e visibilidade em tempo real do estado dos processos permitem ajustar rapidamente os recursos à procura.
Esta flexibilidade operacional elimina gargalos e aumenta a capacidade de adaptação da organização.
Criar uma cultura orientada ao fluxo
Implementar a eficiência de fluxo não é apenas uma mudança técnica, é uma transformação cultural. Implica repensar o conceito de produtividade: menos centrado na ocupação de recursos e mais orientado para a geração de valor.
Os líderes devem clarificar os benefícios de priorizar o fluxo e explicar por que razão, por vezes, a subutilização de um recurso é necessária para melhorar o desempenho global. As equipas devem ser capacitadas para identificar os desperdícios que comprometem o fluxo e incentivadas a atuar sobre eles.
A medição de desempenho deve deixar de valorizar exclusivamente a utilização de pessoas e equipamentos, passando a focar-se em indicadores como a agilidade, a rapidez na entrega e a satisfação do cliente.
Construir esta cultura requer uma liderança presente, comunicação transparente e equipas com autonomia.
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Conclusão: para ser eficiente, é preciso criar fluxo
A crença de que a eficiência se resume a manter todos os recursos ocupados já não permite dar resposta aos desafios atuais. As organizações mais eficazes são aquelas que asseguram um fluxo contínuo e ágil, verdadeiramente orientado para o cliente.
Adotar a eficiência de fluxo exige repensar a forma como se trabalha, lidera e mede o desempenho. Significa deixar de encarar o trabalho como um conjunto de tarefas isoladas e começar a ver o processo de forma integrada — do pedido à entrega, da necessidade à solução. Esta visão sistémica permite reduzir tempos, eliminar desperdícios ocultos e proporcionar experiências mais consistentes e satisfatórias.
Criar fluxo não é abdicar da eficiência, é colocá-la ao serviço do que realmente importa.
Artigo baseado no livro “The Kaizen Culture Paradox – The Smartest Way to Run a Business” de Alberto Bastos e Euclides Coimbra (brevemente disponível).
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