Artigo
Reset Fashion: de stock parado à customização em massa
A ineficiência do stock?
O custo do stock não vendido não é apenas a maior ineficiência da indústria da moda. É um fenómeno que contribui para crises sociais e ambientais, exercendo elevada pressão para a produção a baixo custo e a destruição inadequada de artigos não vendidos.
Numa era em que os consumidores são constantemente expostos a novas tendências e influenciados, não só pelo seu núcleo, mas por todo o mundo à distância de um clique, é esperado que as marcas os surpreendam todas as semanas. Esta nova realidade não casa com a estrutura tradicional da indústria do vestuário, baseada numa cadeia de abastecimento em “push”: produzir inventário de acordo com o histórico de tendências de consumo, empurrar (“push”) o produto para o cliente através das atividades de marketing, e oferecer descontos se necessário.
Ao trabalhar numa coleção com meses de antecedência, por vezes até um ano, as marcas têm como objetivo produzir um volume elevado a baixo custo unitário. Alguns retalhistas produzem conscientemente em excesso para obter o custo mais baixo por peça, na esperança de conseguirem vender todo o stock ao longo da estação. No entanto, este quadro pode resultar num ciclo vicioso de saldos de fim de estação, levando muitas empresas a endividar-se ou mesmo a fechar operações.
O elevado volume de produção a baixo custo para o qual a maioria dos retalhistas trabalha pode ser apenas uma miragem. No início do ciclo de vendas, podem estar entusiasmados com as margens de 60 a 70%. No entanto, depois de todos os descontos e atividades de push, as margens de lucro desgastadas acabam por se situar entre 1 e 2%. Nos EUA, o inventário parado custa aos retalhistas cerca de 50 mil milhões de dólares por ano, sem ter ainda em consideração os custos associados com o armazenamento de inventário.
Neste tema, a indústria da moda parece estar a ficar para trás, mantendo os mesmos princípios operacionais durante décadas. Há anos que a eficiência do inventário da Zara tem sido a exceção, respondendo aos sinais da procura dos clientes quase em tempo real, entregando novos produtos de duas em duas semanas. O apelo por cadeias de abastecimento mais ágeis é evidente, a parte difícil é saber por onde começar.
Criação de cadeias de abastecimento com valor
O primeiro passo para abandonar o push do produto para o mercado, na esperança de que este se venda, e passar a ter o cliente a puxar (“pull”) o produto da marca, é recolher informações do mercado. Mais do que nunca, a tecnologia permite-nos agora ter um contacto próximo e frequente com potenciais clientes, recolhendo informações sobre as suas preferências. É aqui que residem os insights mais poderosos, que permitirão às marcas saber exatamente o que irá vender, no lugar de tentarem adivinhar o futuro. Com recurso a realidade aumentada, os clientes podem experimentar peças de vestuário virtuais, mesmo antes de uma amostra ser criada. Recentemente, a Zalando adquiriu uma empresa de software cuja aplicação de body-scanning inclui um provador virtual para ajudar os compradores a avaliar facilmente se uma peça de vestuário tem o tamanho certo para eles. Estas soluções podem reduzir drasticamente o tempo de desenvolvimento de produto e acelerar a chegada ao mercado, contribuindo também para uma aposta mais acertada no produto que o cliente deseja. Além disso, os clientes estão dispostos a aceitar os tempos de espera que acompanham a produção customizada, pelo que nos encontramos num cenário win-win.
Com a informação certa em mente, e com a confiança de já ter testado o mercado, as equipas de design e desenvolvimento devem organizar-se em células de design. Esta metodologia de trabalho cria equipas multidisciplinares que trabalham em conjunto em sprints curtos de design e teste, entregando produtos em tempo recorde. Este é um dos segredos para os 15 dias de Lead Time das equipas de desenvolvimento da Inditex. A redução do tempo de desenvolvimento em mais de 90% dará às marcas uma significativa vantagem competitiva no mercado.
Tendo melhorado as interações com os clientes e acelerado o processo de desenvolvimento, é agora tempo de focar na produção e entrega. A estratégia tradicional de procura de instalações de produção de baixo custo pode levar as marcas a geografias distantes, resultando em custos de transporte acrescidos, e redução da flexibilidade no que diz respeito ao dimensionamento de lotes e produções a curto prazo. Dito isto, ao avançar para um sistema em pull, o recurso ao sourcing (abastecimento) local assume um papel de destaque. Os retalhistas não só economizam em taxas de transporte e alfandegárias, como também reduzem o tempo de entrega.
É importante salientar que os fornecedores devem tornar-se parceiros, uma vez que o equilíbrio entre risco e recompensa é fundamental para desbloquear todo o potencial da cadeia de abastecimento. Desenvolver fornecedores para que possam prestar um melhor serviço será um negócio de sucesso para ambas as partes. A produção just-in-time será possível se os fabricantes forem capazes de criar fluxo nas suas operações, conduzindo a uma capacidade flexível com recurso à polivalência. Seguindo esta tendência, a Louis Vuitton foi capaz de reduzir o tempo de produção de uma carteira de oito dias para um dia, concentrando os artesãos a trabalhar em células de produção e não em linhas. Isto permite uma resposta mais rápida à procura dos clientes e uma reposição baseada no consumo.
Outro aspeto importante é o timing para a diferenciação do produto. Esta diferenciação pode ajudar a acelerar o tempo de entrega sem o risco de armazenamento de stock do produto acabado. Ao trabalhar tecido “base” e apenas diferenciar quando a produção é agendada, a Inditex poupa semanas no desenvolvimento e reduz o capital investido.
Os fornecedores devem tornar-se parceiros a longo prazo, crescendo em conjunto com os seus clientes. Como resposta à recente crise, algumas empresas foram capazes de reduzir stock em quase 20% no final de julho de 2020, tirando partido de acordos de compra flexíveis que permitiram que estas se adaptassem rapidamente às mudanças de procura. Este é um exemplo de como estas parcerias ajudam a gerir a incerteza.
O ecossistema da Moda
É evidente que as melhorias pontuais e de silos não vão transformar a indústria da moda. É necessário que exista um movimento de mudança na totalidade da cadeia de abastecimento, permitindo a criação de um ecossistema eficiente que proporcione mais valor a todos os intervenientes, desde fornecedores, a retalhistas e clientes.
A transformação da cadeia de abastecimento exige que o foco saia do custo por unidade à saída da fábrica, e que se concentre numa estrutura colaborativa que considera cada passo do processo, aproveitando ao máximo cada transação. O desdobramento de todos os componentes do produto acabado e das suas operações será fundamental para encontrar a solução mais flexível e de maior valor. Esta não é apenas uma jornada de transformação de processos, mas também uma jornada de mudança cultural, apenas possível com objetivos claros, liderança forte, envolvimento e alinhamento de todos os stakeholders.
Por termos testemunhado e conduzido histórias de sucesso com redução de 40% na cobertura total do inventário, redução de 60% no tempo de resposta e aumento de 3 pontos percentuais na quota de mercado do negócio, acreditamos num modelo de negócio make-to-order, com foco na eliminação do desperdício e na sustentabilidade garantido o sucesso do ecossistema da moda.
A transformação da cadeia de abastecimento exige que o foco saia do custo por unidade à saída da fábrica, e que se concentre numa estrutura colaborativa que considera cada passo do processo, aproveitando ao máximo cada transação. O desdobramento de todos os componentes do produto acabado e das suas operações será fundamental para encontrar a solução mais flexível e de maior valor. Esta não é apenas uma jornada de transformação de processos, mas também uma jornada de mudança cultural, apenas possível com objetivos claros, liderança forte, envolvimento e alinhamento de todos os stakeholders.
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