Set Based Engineering no Desenvolvimento de Produtos

Artigo

Da Incerteza à Inovação: Set Based Engineering no Desenvolvimento de Produtos

twitter
linkedin
facebook

No processo de desenvolvimento lean de produtos, a procura de soluções inovadoras representa um desafio multifacetado. Encontrar a combinação ideal que atenda aos objetivos da empresa, satisfaça os interesses dos clientes e esteja dentro das capacidades técnicas, constitui uma jornada complexa. Este artigo explora uma abordagem conhecida como Set Based Engineering (SBE), uma metodologia que visa superar as limitações tradicionais do desenvolvimento de produtos.

O SBE destaca-se como uma abordagem promissora, onde o sucesso é assegurado pela identificação clara dos interesses do cliente e pela realização de ciclos de aprendizagem antes da fase do design. Este artigo analisa os fundamentos desta metodologia, explorando como é possível transformar desafios em oportunidades, proporcionando uma estrutura sólida para o desenvolvimento de produtos inovadores e eficientes.

Desafios no Desenvolvimento de Produtos

No processo de desenvolvimento de produtos, a fase inicial é um terreno fértil para desafios variados. Neste estágio, a incerteza permeia as decisões cruciais e os objetivos dos clientes permanecem difusos com alguma frequência.

A incerteza, neste contexto, não é apenas uma condição transitória, mas sim um desafio persistente que pode gerar dilemas cruciais. A falta de clareza nos requisitos do cliente e as lacunas de conhecimento técnico tornam-se grandes obstáculos. A abordagem tradicional, muitas vezes caracterizada pela escolha de uma única solução, sem uma exploração aprofundada, torna-se suscetível a falhas, resultando em protótipos que não atingem as metas do projeto e sistemas que não funcionam de forma adequada durante os testes de utilização e integração.

O Papel Decisivo das Escolhas Iniciais

A tomada de decisões nas fases de conceito, não apenas molda o caminho futuro do projeto, como também exerce uma enorme influência nos resultados. Estudos revelam que entre 70-85% dos custos totais dos produtos são determinados por decisões efetuadas nestas etapas iniciais. Apenas uma parcela modesta dos investimentos (entre 8-15%) em investigação e desenvolvimento (I&D) é alocada para este período crítico.

Além disso, as empresas enfrentam a realidade desconcertante de que uma proporção substancial de sua capacidade de I&D, situada entre 60-75%, é consumida por retrabalho decorrente de decisões iniciais erradas. A dissonância entre o peso das escolhas iniciais e o investimento dedicado a essas decisões destaca a importância de ter abordagens mais robustas e estratégias que possam mitigar esses desafios inerentes.

Estes desafios na fase inicial do desenvolvimento de produtos não são apenas obstáculos temporários, pois acabam por ter impacto no decorrer de todo o ciclo de vida do produto.

O Método “Test-then-Design” dos Irmãos Wright

A história do design de sistemas é assinalada por marcos significativos que moldaram a forma como concebemos e desenvolvemos produtos. Um capítulo crucial nesta evolução é representado pelo método “Test-then-Design” dos Irmãos Wright, pioneiros na aviação. Este método inovador dividiu o desafio complexo do voo em três áreas críticas que representavam lacunas de conhecimento: Elevação, Controlo e Propulsão.

Ao concentrarem-se de forma independente em cada uma dessas áreas, os Irmãos Wright adotaram uma abordagem focada e iterativa, desbravando o terreno desconhecido do voo com método e experimentação. Ao aprenderem aquilo que era necessário para suportar o seu sucesso, ainda antes de se lançarem no design da aeronave, conseguiram uma fundação sólida para o desenvolvimento de sistemas complexos. Este método de teste e aprendizagem antes de passar para o design, não apenas garantiu a conquista do voo, como também plantou as sementes para abordagens futuras no design de sistemas.

À medida que os desafios inerentes ao desenvolvimento de produtos se tornaram mais complexos, surgiu a necessidade de abordagens mais flexíveis e adaptáveis. A transição do paradigma tradicional para o Set Based Engineering representa um marco significativo nessa evolução.

Introdução ao Set Based Engineering

Compreender verdadeiramente o que os clientes desejam é um desafio recorrente. Mais ainda, ao aprofundar essa compreensão, entende-se a incerteza sobre a viabilidade de satisfazer as expectativas dos clientes. No entanto, as empresas estão empenhadas em agir o mais rapidamente possível para alcançar esses objetivos.

Fluxo Iterativo e Incremental de Decisões e Trabalho

No coração do Set Based Engineering (SBE) está a criação de um fluxo de decisões e trabalho que é iterativo e incremental. Isto é alcançado através das Curvas de Trade-off, bem como das relações causais entre elas.

As Curvas de Trade-off fornecem uma representação visual dos processos físicos e económicos do produto. Estas curvas são a principal ferramenta para os engenheiros, como acontece na Toyota, para utilização em diversas frentes, desde a compreensão e comunicação entre áreas e funções, até à formação de novos engenheiros. Além disso, estas curvas servem como base para catalogar conhecimento, facilitar a negociação e comunicação entre cliente e fornecedor, realizar revisões de design e incorporar maior qualidade ao produto.

O objetivo central do SBE é minimizar o ruído como a resistência ao progresso, resultando em decisões mais informadas e eficazes. A abordagem Toyota envolve a realização de testes exaustivos destas curvas até que múltiplos protótipos falhem. Este princípio é conhecido como Set Based Thinking, onde a ênfase está, não em capturar um único ponto, mas em capturar conjuntos inteiros de soluções.

Conhecimento Adquirido Disponível para Outros Projetos

O SBE opera em diversas frentes para visualizar, entender e resolver lacunas de conhecimento. Ao adotar o SBE, as empresas não só satisfazem os desejos dos clientes, como também acumulam conhecimento valioso para projetos futuros. A ênfase na abordagem Set Based Thinking permite que as organizações explorem conjuntos de soluções, proporcionando uma base sólida para decisões informadas e inovação contínua no desenvolvimento de produtos.

Benefícios do Set Based Engineering

O Set Based Engineering oferece uma série de benefícios tangíveis para as empresas que o adotam. Esta secção explora os ganhos proporcionados pelo SBE, destacando como esta metodologia transforma a incerteza em vantagens palpáveis.

Minimização de Riscos e Melhoria na Tomada de Decisões

Ao criar um ambiente onde múltiplas soluções são exploradas e testadas iterativamente, a abordagem do Set Based Engineering permite que as equipas identifiquem e compreendam melhor os desafios antes de tomar decisões definitivas. Isto resulta numa tomada de decisões mais informada e numa redução significativa da incerteza, mitigando potenciais falhas que poderiam surgir posteriormente no ciclo de desenvolvimento.

Inovação Contínua e Aprendizagem Organizacional

Ao adotar a mentalidade Set Based Thinking, as equipas são incentivadas a identificar falhas no conhecimento e a resolvê-las. Este foco, não apenas resulta em soluções mais eficazes, como também enriquece o conhecimento organizacional, criando uma base sólida para inovações futuras.

Melhoria na Comunicação e Colaboração

As curvas trade-off utilizadas no SBE não apenas servem como ferramentas de tomada de decisões, como também melhoram a comunicação e colaboração dentro e entre as equipas. A visualização clara dos processos físicos e económicos do produto facilita a compreensão mútua, promovendo um ambiente colaborativo e eficaz. Isto é crucial não apenas para a otimização do design, como para a comunicação eficaz com clientes e fornecedores.

Adaptação Dinâmica a Mudanças no Ambiente de Negócios

O SBE permite uma adaptação dinâmica a mudanças no ambiente de negócios. A flexibilidade inerente à abordagem facilita a rápida resposta a alterações nos requisitos do cliente, a evoluções tecnológicas e a mudanças nas condições de mercado. Isso coloca as empresas numa posição estratégica para enfrentar os desafios em constante evolução e destacar-se em ambientes competitivos.

Em síntese, o Set Based Engineering não apenas dissipa desafios intrínsecos ao desenvolvimento de produtos, como também proporciona uma abordagem holística que impulsiona a eficiência, a inovação e a resiliência organizacional.

Etapas do Set Based Engineering

O Set Based Engineering (SBE) é uma abordagem que orienta o desenvolvimento de produtos através de uma série de etapas cuidadosamente planeadas. Cada fase é projetada para maximizar a compreensão do cliente, identificar e resolver lacunas de conhecimento técnico, aprender iterativamente e, finalmente, integrar soluções para chegar a uma conclusão ótima.

Interesses do Cliente

Nesta etapa inicial, concentramo-nos na visualização detalhada dos requisitos e nas lacunas de conhecimento do cliente, utilizando Quadros dos Interesses do Cliente para garantir a plena satisfação das suas necessidades e preferências.

Objetivos

  • Profundo Entendimento dos Desejos dos Clientes: Explorar em detalhe as motivações e modos de expressão dos clientes.
  • Seleção das Necessidades a Serem Satisfeitas: Decidir quais as necessidades do cliente que devem ser priorizadas.
  • Transformação em Unidades Mensuráveis: Converter estas necessidades em unidades mensuráveis, estabelecendo valores e metas específicas.
  • Conhecimento dos Limites e Compensações: Compreender os limites e as compensações entre os diversos interesses dos clientes.
  • Organização em Quadros dos Interesses do Cliente: Estruturar e organizar estas informações de forma clara e visual.

Entregáveis

  • Casos de Uso para Cada Segmento de Mercado: Compreender, inicialmente, o que as partes interessadas desejam, por que o desejam e de que forma.
  • Posicionamento dos Concorrentes: Avaliar as estratégias adotadas pela concorrência.
  • Prioridades dos Interesses a serem atendidos: Tomar decisões fundamentadas sobre quais os interesses que serão priorizados.
  • Categorias dos Interesses do Cliente: Identificar e classificar as diferentes categorias dos interesses dos clientes.
  • Variáveis de Decisão: Identificar as variáveis de decisão associadas a cada interesse do cliente.
Interesses do Cliente Entregáveis

Planeamento de Viabilidade

Na segunda fase, concentramo-nos no planeamento da viabilidade, onde os interesses do cliente são intrinsecamente conectados às decisões técnicas. Utilizamos a “Matriz de Alternativas” e o “Mapa Causal” para identificar e abordar desvios no conhecimento técnico.

Objetivos

  • Conexão Estratégica entre os Interesses do Cliente e as Decisões Técnicas: Estabelecer uma interligação eficaz entre os interesses do cliente e as decisões técnicas fundamentais.
  • Identificação das Relações entre Variáveis Técnicas, Limites e Compensações: Analisar e compreender as inter-relações entre as variáveis técnicas, bem como os limites e compensações associados.
  • Listagem de Lacunas de Conhecimento Técnico: Identificar as lacunas no conhecimento técnico existentes na organização.
  • Definição e Planeamento de Testes para Suprir Lacunas: Desenvolver um plano com ações, datas e responsáveis, para resolver os gaps de conhecimento técnico e implementá-lo.

Entregáveis

  • Matriz de Alternativas: Documentar a relação direta entre os interesses dos clientes e as decisões técnicas relevantes.
  • Mapa Causal: Estabelecer visualmente as possíveis relações entre os interesses do cliente e as decisões técnicas, identificando as conexões críticas.
  • Mapa de Decisões: Transformar o mapa causal num mapa de decisão estruturado, proporcionando uma visão clara e ordenada.
  • Identificação de Lacunas de Conhecimento: Mapear as relações desconhecidas e as áreas de conhecimento ausentes na organização.
  • Quadro de Planeamento de Viabilidade: Planear as decisões técnicas e os pacotes de trabalho associados, fornecendo uma estrutura para a execução eficiente das ações necessárias.
Planeamento de Viabilidade Entregáveis

Ciclos de Aprendizagem

Na terceira fase, denominada Ciclos de Aprendizagem, o foco é direcionado para a resolução das lacunas de conhecimento previamente identificadas. Habitualmente, é utilizado o ciclo LAMDA para solucionar desvios de conhecimento, promovendo a melhoria contínua e acelerando o desenvolvimento de produtos através de uma aprendizagem proativa na fase inicial.

Objetivos

  • Definição do Problema e Objetivos de Aprendizagem: Clarificar o problema subjacente e estabelecer metas claras de aprendizagem.
  • Estudo Detalhado com Ciclos LAMDA:

Look (Verificar): Observar e estudar o contexto e as variáveis envolvidas.

Ask (Perguntar): Formular perguntas cruciais para uma compreensão mais profunda.

Model (Modelar): Criar modelos que representem eficazmente o problema.

Discuss (Discutir): Realizar discussões colaborativas para explorar diferentes perspetivas.

Act (Atuar): Implementar ações concretas com base nas conclusões alcançadas.

  • Construção de Protótipos para Testar Componentes Relacionados com as Lacunas de Conhecimento: Desenvolver protótipos para avaliar soluções práticas para os desvios identificados.
  • Teste e Avaliação dos Resultados: Realizar testes rigorosos nos protótipos, avaliando a sua eficácia e preenchendo as lacunas de conhecimento.
  • Documentação do Conhecimento Adquirido: Registar de forma abrangente as lições aprendidas e os conhecimentos adquiridos ao longo do processo.

Entregáveis

  • Estudo (usando o Ciclo LAMDA): Documentar as fases “Verificar, Perguntar, Modelar, Discutir e Atuar”, evidenciando o processo de aprendizagem.
  • Protótipo: Desenvolver e apresentar protótipos que abordem diretamente os desvios de conhecimento identificados.
  • Testes: Avaliar os protótipos, validar as soluções propostas e resumir as descobertas no Quadro de Testes.
  • Resumos do Conhecimento / Curvas de Trade-off: Documentar de forma clara as informações obtidas, incluindo curvas de trade-off e extrair as lições aprendidas para orientar futuras decisões.

Eventos de Integração

A fase final, conhecida como “Eventos de Integração”, concentra-se na junção do conhecimento adquirido nas fases anteriores com a escolha entre as alternativas concorrentes, com base nesse conhecimento.

Objetivos

  • Seleção de Alternativas Concorrentes com Base no Conhecimento Visível: Utilizar o conhecimento adquirido para escolher entre as alternativas concorrentes disponíveis.
  • Eliminação de Soluções Menos Robustas: Descartar soluções menos eficazes, com foco na otimização e a seleção.
  • Alcançar uma Solução Ótima dentro dos Limites Temporais e o orçamento estabelecido: Assegurar que a escolha final seja a mais vantajosa possível, considerando o tempo e recursos financeiros.
  • Redução do Espaço de Design sem Comprometer Características do Produto: Refinar o âmbito ou espaço de design, mantendo o foco nas características essenciais do produto.
  • Normalização de Decisões e Envolvimento de Partes Interessadas: Estabelecer standards de decisão e envolver as partes interessadas para garantir alinhamento e consenso.

Entregáveis

  • Revisão do Conhecimento: Alcançar consenso sobre os resultados obtidos durante o Ciclo de Aprendizagem em curso, garantindo que o conhecimento seja totalmente compreendido e aceite.
  • Preparação dos Eventos de Integração: Organizar as informações e insights do Ciclo de Aprendizagem, de forma a preparar a fase de integração.
  • Eventos Intermédios de Integração: Analisar as alternativas disponíveis, definir o novo espaço de design e considerar as implicações subjacentes a cada opção.
  • Evento Final de Integração: Avaliar a satisfação do cliente em relação às alternativas de viabilidade e selecionar a solução final ótima, considerando todos os fatores relevantes.
  • Decisão sobre a Solução Ótima: Tomar uma decisão informada e coletiva sobre a solução que melhor satisfaz os requisitos, consolidando as escolhas feitas ao longo do processo.
Eventos de Integração Entregáveis

Ao abordar cada etapa com diligência, as organizações podem capitalizar plenamente os benefícios do Set Based Engineering, criando produtos inovadores, eficientes e alinhados com as expectativas do cliente.

Conclusão

No cenário desafiador do desenvolvimento de produtos, onde a procura por inovação é constante, a complexidade reside em equilibrar os objetivos empresariais, as expectativas dos clientes e as capacidades técnicas. Ao adotar o Set Based Engineering, as organizações não apenas resolvem desafios inerentes ao desenvolvimento de produtos, como também criam uma base sólida para obter decisões informadas e assegurar a inovação contínua. Ao abraçar plenamente os benefícios do SBE, as empresas estão posicionadas para prosperar num ambiente dinâmico e competitivo.

Ainda tem dúvidas sobre Set Based Engineering?

O que é uma Curva de Trade-off?

Uma Curva de Trade-off é uma representação visual que ilustra a relação entre duas ou mais variáveis, destacando a compensação entre elas. Essa curva ajuda a entender como alterações numa variável afetam outra e vice-versa. No contexto do desenvolvimento de produtos, as Curvas de Trade-off são fundamentais para tomar decisões informadas, equilibrando diferentes aspetos do projeto.

O que é o Ciclo LAMDA?

O Ciclo LAMDA é uma abordagem estruturada para resolução de problemas e aprendizagem contínua. Cada letra representa uma etapa do processo:

  1. Look (Verificar): Observar atentamente o contexto e as variáveis envolvidas.
  2. Ask (Perguntar): Formular perguntas cruciais para uma compreensão mais profunda.
  3. Model (Modelar): Criar modelos que representam eficazmente o problema.
  4. Discuss (Discutir): Realizar discussões para explorar diferentes perspetivas.
  5. Act (Atuar): Implementar ações concretas com base nas conclusões alcançadas.

O Ciclo LAMDA é uma ferramenta valiosa para estudar problemas complexos, desenvolver soluções iterativas e documentar a aprendizagem ao longo do processo. Este ciclo é frequentemente utilizado em contextos de inovação e resolução de desafios no desenvolvimento de produtos.

Saiba mais sobre Desenvolvimento Lean de Produtos

  Saiba como melhorar esta área

Receba as últimas novidades sobre o Kaizen Institute