EUA impõem tarifas de 25% ao abrigo da Secção 232 sobre veículos e peças importados, invocando motivos de segurança nacional
A administração Trump desencadeou um novo confronto comercial transatlântico ao impor tarifas sobre os automóveis importados. A partir do dia 3 de abril de 2025, os automóveis de passageiros e os camiões ligeiros estrangeiros que entrem nos Estados Unidos estarão sujeitos a uma tarifa de 25%, estando prevista uma taxa semelhante sobre as peças automóveis, que entrará em vigor a 3 de maio. O anúncio, justificado por razões de segurança nacional ao abrigo da Secção 232 da legislação comercial norte-americana, provocou a indignação imediata dos responsáveis europeus e dos líderes da indústria. A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, classificou a medida como “má para os negócios, pior para os consumidores”, e o ministro da Economia da Alemanha apelou a uma “resposta firme” por parte da União Europeia. Os grupos da indústria automóvel de ambos os lados do Atlântico alertaram para graves repercussões económicas, tendo a Associação Europeia dos Construtores de Automóveis (ACEA) considerado as tarifas como um “golpe profundamente preocupante num momento crucial para a transformação global do setor”. Nos dias que se seguiram, Bruxelas preparou medidas de retaliação e os Estados Unidos agravaram a situação, impondo uma tarifa de 20% sobre todas as importações provenientes da UE a partir do dia 9 de abril de 2025. Este artigo analisa a posição dos líderes europeus e especialistas, a lógica política que fundamenta estas tarifas, o seu impacto económico previsto, as repercussões industriais e geopolíticas, e o que este impasse significa para o futuro das relações comerciais entre a UE e os EUA, bem como para o futuro do setor automóvel em ambos os lados do Atlântico.
Panorama político: a Secção 232 e a justificação de segurança nacional
Na base da decisão de Washington está a Secção 232 da Trade Expansion Act de 1962, uma lei que autoriza o presidente dos EUA a ajustar as importações (incluindo através de tarifas) caso uma investigação determine que estas representam uma ameaça à segurança nacional. Historicamente, esta lei foi usada com parcimónia, mas tem sido amplamente utilizada como parte da estratégia comercial da administração Trump. Já durante o seu primeiro mandato, Trump invocou a Secção 232 para impor tarifas sobre o aço e o alumínio em 2018. Agora, em 2025, a administração volta a invocar essa autoridade para justificar as tarifas abrangentes sobre o setor automóvel, argumentando que a indústria automóvel nacional e a cadeia de abastecimento norte-americana têm sido prejudicadas por “importações excessivas”, representando um risco para a segurança económica do país. As autoridades salientam que, em 2024, os americanos compraram cerca de 16 milhões de automóveis e camiões ligeiros, cerca de metade dos quais foram importados. Até mesmo entre os cerca de 8 milhões de veículos montados nos EUA, apenas cerca de 50% dos componentes foram fabricados no país. Com base nesta estimativa, apenas 25% dos componentes dos automóveis vendidos nos Estados Unidos seria verdadeiramente “made in the USA”. Outros elementos de preocupação destacados pelo estudo do Departamento do Comércio incluem um défice comercial de 93,5 mil milhões de dólares em peças de automóveis em 2024, uma redução de um terço nos empregos ligados à produção de peças automóveis desde o ano 2000 e um atraso por parte dos fabricantes de automóveis dos EUA refletido no montante dedicado a despesas de I&D (as empresas norte-americanas representaram apenas 16% do total global de investimento em investigação e desenvolvimento automóvel em 2023, face aos 53% das empresas da UE). As perturbações nas cadeias de abastecimento causadas pela pandemia de COVID-19 foram também citadas como prova de que a dependência excessiva de peças estrangeiras constitui uma vulnerabilidade estratégica.
Ao invocar a Secção 232, a administração argumentou que anos de acordos e negociações comerciais não tinham conseguido resolver estes desequilíbrios. De facto, a resolução de 26 de março sublinhou que era necessária uma ação decisiva para reconstruir uma “forte base industrial nacional” no setor automóvel de modo a garantir que os EUA pudessem satisfazer as suas necessidades automóveis a partir da sua própria produção. Esta é uma das utilizações mais abrangentes da Secção 232 até à data, e foi recebida com ceticismo por parte dos defensores do comércio livre, que veem a segurança nacional como um pretexto para o protecionismo. Ainda assim, as medidas sob a Secção 232 estão agora em vigor, e é fundamental compreender as suas amplas implicações económicas.
Impacto económico das tarifas americanas nas exportações de automóveis da UE
Impacto no setor automóvel europeu
A indústria automóvel europeia enfrenta um impacto significativo com a imposição das tarifas norte-americanas. Os Estados Unidos são o maior mercado de exportação para os fabricantes de automóveis da União Europeia, representando cerca de 56 mil milhões de euros em exportações automóveis europeias em 2023, conforme salienta um relatório da Oxford Economics sobre o comércio automóvel europeu. Esse montante — que inclui tanto veículos como peças — representa cerca de 20% da produção da indústria automóvel europeia. A tarifa de 25% tornará esses veículos substancialmente mais caros no mercado norte-americano, o que provavelmente reduzirá a procura e a quota de mercado das marcas europeias. A Oxford Economics calcula que as exportações automóveis da UE para os EUA sofrerão uma quebra acentuada, com os fabricantes alemães e italianos, que são os mais dependentes do mercado norte-americano, a registarem reduções nas exportações na ordem dos 7%. Esta contração representaria um “golpe substancial” para uma indústria estratégica fundamental que sustenta 13,8 milhões de postos de trabalho na Europa, ao longo das cadeias de produção e de abastecimento.
Embora alguns fabricantes europeus possam tentar redirecionar os automóveis inicialmente destinados ao mercado norte-americano para outras regiões, os analistas alertam para o facto de as vendas norte-americanas perdidas não poderem ser facilmente compensadas devido às diferentes preferências dos consumidores e à limitação de mercados alternativos. Em suma, esta tarifa ameaça afetar a produção automóvel europeia, o emprego e o PIB, especialmente nos centros de produção automóvel altamente dependentes da exportação, como é o caso da Alemanha.
Otimize processos no setor automóvel para minimizar o impacto das tarifas
Impacto nos consumidores e na indústria automóvel dos EUA
Segundo grupos de investigação do setor automóvel os compradores de automóveis nos Estados Unidos estão prestes a sentir o impacto destas tarifas. Prevendo-se aumentos significativos nos preços de muitos veículos vendidos no mercado norte-americano, uma vez que os importadores introduzam a tarifa de 25%. Em média, os especialistas da indústria antecipam que os preços dos automóveis novos possam aumentar vários milhares de dólares por unidade, um aumento inflacionário que poderá afastar potenciais compradores e reduzir as vendas de automóveis. A S&P Global Mobility, por exemplo, prevê que as vendas de veículos ligeiros nos EUA possam cair dos atuais 16 milhões para entre 14,5 e 15 milhões de unidades por ano, caso as tarifas se mantenham em vigor.
Importa sublinhar que os efeitos não se farão sentir apenas nas importações de luxo provenientes da Europa; dada a complexidade das cadeias de abastecimento globais, até os veículos montados nos Estados Unidos ficarão mais caros, uma vez que muitos modelos produzidos localmente dependem de componentes estrangeiros que passam agora a estar sujeitos à tarifa. As peças de automóveis, como motores, transmissões e componentes eletrónicos importados da Europa (e de outras regiões) também estão sujeitos à mesma tarifa de 25%, aumentando os custos de produção para as fábricas norte-americanas. Embora os fabricantes automóveis dos EUA possam beneficiar de uma vantagem de preço face aos concorrentes estrangeiros no mercado interno, os custos acrescidos com as peças e as perdas decorrentes de medidas de retaliação por parte de outros países poderão anular qualquer benefício competitivo. Na verdade, a Oxford Economics observa que “poder-se-ia pensar que os fabricantes norte-americanos sairiam vencedores”, mas, dado o caráter global das cadeias de abastecimento, os custos de produção aumentarão e as tarifas de retaliação poderão diluir qualquer ganho.
O efeito económico líquido previsto pelos especialistas poderá ser negativo para vários stakeholders: os fabricantes europeus perderão vendas nos EUA, algumas empresas norte-americanas verão os seus mercados de exportação reduzidos e os consumidores nos EUA pagarão mais por uma oferta de veículos mais limitada.
Implicações estratégicas e nas cadeias de abastecimento
As tarifas estão a provocar ondas de choque que obrigam os fabricantes automóveis a reconfigurar as suas cadeias de abastecimento. A produção global poderá deslocar-se à medida que as empresas ponderam transferir mais processos de fabrico para os Estados Unidos, com o objetivo de contornar as tarifas sobre a importação. Para além dos efeitos imediatos nos preços e na produção, estas tarifas estão a catalisar mudanças estratégicas nas cadeias de abastecimento do setor automóvel. Perante uma barreira permanente de 25%, os fabricantes europeus (e asiáticos) enfrentam uma forte pressão para localizar a produção de veículos nos EUA, de forma a manterem o seu acesso ao mercado norte-americano. Marcas como a BMW, a Volkswagen e a Mercedes-Benz, que já operam unidades de montagem de grande dimensão em território norte-americano, poderão mitigar o impacto das tarifas ao fabricar mais modelos localmente. Assim, as fábricas destas empresas poderão “beneficiar desta política tarifária”, em termos relativos, caso a produção de modelos atualmente dependentes de importações seja relocalizada. No entanto, a deslocação geográfica da produção não é nem económica nem imediata. Construir novas fábricas ou adaptar as redes de abastecimento exige anos de investimento e de planeamento. Enquanto isso, muitas empresas recorrem a medidas transitórias: aceleram o envio de veículos e componentes antes da entrada em vigor das tarifas, procuram fornecedores alternativos e reavaliam os modelos a oferecer no mercado norte-americano.
As cadeias de abastecimento globais, estruturadas com base em entregas just-in-time, estão agora sob forte pressão. Os especialistas do setor consideram que estas tarifas representam, na prática, um “reinício da cadeia de valor automóvel”, levando os fabricantes a apostar em ciclos de abastecimento mais regionalizados e autónomos. Na prática, isto poderá traduzir-se num aumento da procura por fornecedores de componentes na América do Norte, à medida que os OEM (Original Equipment Manufacturer) procuram substituir peças importadas — um dos objetivos a longo prazo desta política. Contudo, a curto prazo, a realocação das cadeias de abastecimento é uma tarefa difícil: os fabricantes podem enfrentar escassez de peças ou absorver os custos das tarifas, resultando em abrandamentos na produção. A capacidade para manter a excelência no setor automóvel face a estas disrupções dependerá da agilidade com que as empresas se adaptem ao sourcing regional e às novas dinâmicas comerciais.
Deste modo, os efeitos repercutem-se a nível mundial. A política comercial da administração Trump desencadeou uma reação em cadeia de medidas protecionistas, ameaçando fragmentar o comércio automóvel mundial em blocos regionais. “As tarifas planeadas pelos EUA e as tarifas de retaliação vão perturbar a cadeia de abastecimento automóvel, altamente otimizada e globalizada e resultar em muito poucos vencedores”, alerta Daniel Harrison, analista do setor automóvel. Este prevê “encerramentos ou relocalizações de fábricas a grande escala, aumentos significativos nos preços dos veículos (entre 4.000 e 12.000 dólares), e, consequentemente, uma queda acentuada nas vendas e na produção — semelhante a um choque industrial como o sentido na pandemia de COVID-19”, caso a situação se mantenha. Em suma, o setor enfrenta um profundo dilema estratégico: absorver os custos das tarifas, comprometendo margens e volumes, ou reestruturar as redes de produção com décadas de existência para se adaptarem a uma nova era de barreiras comerciais.
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Resposta da UE e medidas de retaliação
Bruxelas reagiu com uma mistura de condenação e preparação para a retaliação. Ursula von der Leyen sublinhou que a Europa não procurou este conflito, mas está pronta com um “forte plano de retaliação”, caso seja necessário. De acordo com o The Guardian, as medidas previstas incluem a reintrodução de tarifas sobre 4,5 mil milhões de dólares em bens norte-americanos, como calças de ganga e as motas Harley-Davidson, cuja aplicação tinha sido suspensa durante a presidência de Joe Biden. A implementação destas medidas está agora prevista para meados de abril, depois de a Comissão Europeia ter decidido adiar a data original de 1 de abril para melhor alinhar a resposta com outras iniciativas e para afinar a posição da UE entre os 27 Estados-membros. Os líderes europeus estão a finalizar uma segunda vaga de medidas que poderá abranger cerca de 18 mil milhões de euros em bens dos EUA.
Importa referir que, até ao momento, os responsáveis europeus ainda não anunciaram publicamente tarifas de retaliação específicas sobre os automóveis norte-americanos. A tarifa padrão da UE sobre automóveis importados já é de 10%, e um eventual aumento adicional poderia prejudicar também os consumidores europeus. Por esse motivo, Bruxelas está a concentrar-se noutros pontos de influência, incluindo a possibilidade de limitar o acesso das empresas norte-americanas a serviços e contratos públicos europeus, bem como a via jurídica. A União Europeia já apresentou queixas na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra as medidas dos EUA ao abrigo da Secção 232, embora o processo de resolução de litígios da OMC seja moroso e os EUA defendam que as questões de segurança nacional não estão sujeitas a revisão. Os responsáveis europeus pelo comércio estão igualmente a explorar contramedidas menos convencionais. No entanto, estas medidas permanecem, por agora, no plano teórico, uma vez que a abordagem preferencial da UE continua a ser a negociação. Von der Leyen reiterou que a União Europeia continua disponível para regressar à mesa das negociações, ao invés de escalar o conflito. De facto, tanto ela como outros líderes europeus já manifestaram abertura para discutir um possível acordo comercial transatlântico que aborde as tarifas industriais, subsídios e standards, se isso puder evitar uma guerra comercial em larga escala.
Contexto comercial e geopolítico
O conflito em torno das tarifas sobre automóveis surge num momento particularmente tenso nas relações entre a União Europeia e os Estados Unidos. O que começou por ser uma série de tensões comerciais durante o primeiro mandato de Donald Trump evoluiu agora para uma escalada acentuada. Os aliados europeus, que outrora acreditavam estar fora do alcance deste tipo de medidas, enfrentam agora uma nova vaga de “tarifas recíprocas” que se estendem a vários setores. No caso da UE, inclui uma tarifa fixa de 20% sobre todas as exportações para os EUA a partir de 9 de abril, alargando a discussão para além da indústria automóvel.
Os riscos são elevados: o comércio bilateral de bens e serviços entre os EUA e a UE atingiu os 1,6 biliões de euros em 2023, e ambas as economias estão profundamente interligadas. Uma guerra comercial poderá comprometer o crescimento económico, desestabilizar os mercados financeiros e perturbar os fluxos de investimento transatlânticos.
Este confronto ameaça ainda comprometer outras negociações comerciais em curso entre as duas potências, desde os impostos sobre os serviços digitais aos acordos sobre o aço e o alumínio. A nível mundial, outros países observam atentamente o desenrolar da situação, pois este litígio poderá redefinir alianças comerciais e alterar o equilíbrio do comércio internacional. Resta saber se este conflito marcará uma rutura duradoura ou abrirá caminho para uma renovada cooperação transatlântica, algo que dependerá, em grande parte, das decisões políticas tomadas nos próximos meses.
Conclusão: os efeitos das tarifas transatlânticas sobre o setor automóvel
A imposição de tarifas norte-americanas sobre o setor automóvel, e a consequente troca de medidas entre os EUA e a União Europeia, representa um potencial ponto de inflexão para a economia global. A curto prazo, é expectável que os custos mais elevados, a disrupção das cadeias de abastecimento e as retaliações comerciais dominem o cenário, com consumidores e indústrias a sofrerem as consequências diretas. As implicações a longo prazo dependerão da forma como os líderes políticos façam a gestão deste impasse nos próximos meses. Uma via possível será a de um acordo negociado, potencialmente um novo pacto comercial que aborde as tarifas automóveis e outras, que permita evitar danos maiores. Na realidade, ambas as partes têm incentivos para encontrar uma solução: os EUA poderão procurar concessões (como a redução das tarifas automóveis da UE ou a imposição de quotas sobre as exportações) que permitam a Trump declarar uma vitória e recuar nas medidas, enquanto a UE preferirá um regresso a condições comerciais estáveis que salvaguardem a sua economia. No entanto, permanece em aberto um cenário alternativo: o de uma guerra comercial prolongada, que obrigue as empresas a ajustes dispendiosos. No pior dos cenários, as tarifas tornar-se-iam uma característica semipermanente do comércio transatlântico, funcionando como um imposto sobre as trocas entre as duas economias até que uma mudança política em Washington ou um imperativo económico mútuo obrigasse a repensar a situação.
Esta instabilidade exige que os fabricantes automóveis reforcem o seu foco na excelência operacional. A adoção de metodologias Lean e a priorização da redução de custos serão essenciais para compensar o aumento das despesas, agilizar os processos e manter a rentabilidade num contexto de dinâmicas comerciais em mudança. As empresas que derem prioridade à eliminação de desperdícios, à agilidade das suas cadeias de abastecimento e à melhoria contínua — ao mesmo tempo que aceleram a transformação digital na produção — estarão melhor posicionadas para fazer face a este ambiente turbulento e emergir mais competitivas.
Os próximos tempos revelarão se este conflito é um episódio temporário ou o início de uma nova ordem comercial global mais fragmentada. Em qualquer dos casos, as empresas devem preparar-se para um percurso atribulado, enquanto os decisores políticos enfrentam escolhas cruciais para conduzir este confronto a uma resolução que salvaguarde os interesses económicos e estratégicos de ambos os lados do Atlântico.
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